quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A indústria papeleira intimida ativismo cívico contra a poluição

A ACRÉSCIMO associa-se ao movimento de solidariedade a
Arlindo Consolado Marques

A indústria papeleira detém em Portugal um lugar de destaque no que respeita a emissões poluentes para a atmosfera e para o meio aquático. De acordo com dados extraídos de estatísticas da Agência Europeia do Ambiente, são várias as unidades fabris desta indústria que se destacam nos 10 primeiros lugares, a nível nacional, quer em poluição do ar, quer da água.


Com o panorama de emissões poluentes, registadas oficialmente, em múltiplas unidades da indústria papeleira a operar em Portugal, só pode merecer o repúdio social a intimidação desta a ações cívicas de combate à poluição, levadas a cabo por cidadãos vítimas diretas de tais práticas lesivas do Ambiente. Aliás, a defesa do Ambiente é um dever de cidadania previsto na Constituição da República Portuguesa.

Acresce à atividade da indústria papeleira a operar em Portugal o elevado nível de poluição causado no Território. A sua atividade traduz-se num crescente risco social, com o impacto das plantações de eucalipto, a partir das quais se abastecem, nos incêndios que depreciam anualmente os espaços florestais nacionais. A tendência é de forte agravamento.

No caso em concreto, não deixam dúvidas as comunicações da Agência Portuguesa do Ambiente e, na Assembleia da República, as afirmações do dirigente da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Território, quanto à ação poluente, para o rio Tejo, da atividade da unidade fabril do grupo ALTRI em Vila Velha do Ródão. Aliás, foi neste contexto que, no presente ano, uma manifestação contra a poluição do Tejo, com mais de 500 ativistas, culminou às portas desta e não de qualquer outra unidade fabril. Do mesmo grupo, a unidade fabril da Figueira da Foz ocupa a sexta posição nacional em matéria de emissões poluentes para o meio aquático.

Quanto ao ministro do Ambiente, seria oportuno avaliar da constitucionalidade da emissão de licenciamentos “à la carte”. Em causa está a defesa do Ambiente e o papel das instituições do Estado, previsto na Constituição, quanto a este desígnio nacional.


Vila Velha do Ródão, rio Tejo, Portugal

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A exigência, pela indústria papeleira, por mais área de eucalipto em Portugal, tem por base a produção de pasta e papel ou de energia por cogeração?

O envolvimento das plantações de eucalipto na área ardida em floresta revela um acentuado crescimento na última década. As previsões apontam para um agravamento da situação. Se a madeira ardida de eucalipto apresenta fortes restrições para a produção de pasta celulósica e de papel de qualidade, já não tem restrições para o uso como biomassa para energia. Pelo contrário, pela forte desvalorização de preço dos ardidos, pode haver até uma significativa vantagem para este último fim.

Na última década (2007/2016), o envolvimento das plantações de eucalipto na área ardida em floresta regista um acréscimo superior a 20%.

Ano
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2017
%
29%
42%
28%
39%
40%
31%
35%
40%
45%
50%


Em 2017, nos grandes incêndios de 17 de junho, em Pedrogão Grande e em Góis, as percentagens de área ardida envolvendo plantações de eucalipto (excluindo as áreas mistas de eucalipto com outras espécies) no total da área ardida em floresta foram, respetivamente, de 51% e 53%.

Apesar das restrições à utilização da rolaria ardida de eucalipto no fabrico de pasta celulósica e na produção de papel de qualidade, o facto é que a depreciação de preço deste material lenhoso constitui uma significativa oportunidade para a sua utilização na produção de energia por cogeração, área de negócio igualmente forte para as unidades da indústria papeleira nacional. A Enerpulp, empresa participada do grupo The Navigator Company, nas unidades de Cacia, Figueira da Foz e Setúbal, consome quase meio milhão de toneladas de biomassa florestal por ano para a produção de energia. O grupo Altri, através da Caima, em Constância, e da Celtejo, em Vila Velha do Ródão, consome mais de 200 mil toneladas de biomassa florestal por ano na produção de energia por cogeração.

Na Península Ibérica assiste-se à transformação de unidades produtoras de pasta para papel em centrais de produção de energia a partir de biomassa florestal. Este produto tende, no médio prazo, a ver aumentada a sua disponibilidade face aos recorrentes incêndios em floresta.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Capoulas Santos tem sido o pior dos ministros que até hoje detiveram o pelouro das florestas

Desde antes do inicio do século (de 04/10/1998 a 06/04/2002), ficou marcada a incompetência do então ministro da Agricultura e da sua equipa para lidar com os assuntos das florestas. Capoulas Santos foi incapaz de assegurar os interesses do Estado ao lidar com o aparecimento da doença do nemátodo da madeira de pinheiro bravo em Portugal. Fica no histórico a maior queda no rendimento da silvicultura, queda essa que até hoje não foi recuperada para os índices até então históricos. Está-se hoje tão só por metade.
 
Rendimento Empresarial Líquido da Silvicultura

Fonte: INE, Contas Económicas da Silvicultura

Mais recente (desde 26/11/2015), fica para a história a maior área ardida de sempre em Portugal num tão curto espaço de tempo. O registo acumulado é superior a 700.000 hectares, em 2016 e 2017. Pior, fica no currículo do atual ministro da Agricultura a pior área ardida em Matas Nacionais, em particular, na Mata Nacional de Leiria. Neste último caso, fica registada quer a incompetência em assegurar meios para uma gestão silvícola preventiva, quer a incapacidade para defender os interesses do Estado na venda do material lenhoso ardido. Já nem se argumenta quanto às medidas pós-incêndio, de contenção dos solos e salvaguarda das linhas de água.

No período mais recente, fica igualmente evidente o uso da manha como ato político. Com efeito, o que estaria pronto em semanas, no início de 2016, apenas entrará em vigor em 2018. Isto no que respeita ao cumprimento do programa do governo, quanto ao travão à expansão do eucalipto. Neste domínio, apesar do anúncio de travão, fica no histórico o ter garantido mais autorizações e validações de plantações de eucalipto do que a sua antecessora. E, a diferença é substancial e ainda não totalmente conhecida. Se o objetivo desta postura de manha é o de assegurar os interesses da indústria papeleira, pode muito bem estar enganado. Tende mais a servir os interesses do sector energético, os grupos industriais ligados à utilização de biomassa florestal para a produção de pellets energéticas ou de produção de energia elétrica.

Igualmente, o atual ministro da Agricultura tem-se mostrado incapaz de elaborar uma verdadeira proposta de reforma para as florestas, assente numa visão de médio a longo prazo, numa estratégia consensual. Ficou tão só por uma “reforma” de retalhos, um pacote que ficou sujeito ao acréscimo de uma vasta amálgama de propostas corretivas que, no seu conjunto, tendem a gerar aberrações legislativas.

Infelizmente, é também este o ministro que durante mais tempo deteve o pelouro governamental das florestas, após abril de 1974.

Merece, contudo, destaque o papel do ministro Capoulas Santos no anúncio de “boas novas”, de milhões a rodos, cuja execução física sabe que nunca será escrutinada. Neste domínio, o ministro Capoulas Santos tem tido um comportamento de verdadeiro Pai Natal. As prendas anunciadas é que tendem a não ser entregues.


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

2017, ano de catástrofe nas florestas em Portugal

No que respeita a incêndios rurais, 2017 foi o pior ano de que há memória. Em termos de política florestal, o presente ano foi péssimo, a par de outros tantos de ma memória.


O ano de 2017 ficará na memória coletiva como, até agora, o pior em vítimas, em destruição e em dimensão de área ardida. Mais de 110 vítimas mortais, centenas de feridos e desalojados, habitações e edificado destruído, devastação de infraestruturas, fauna e flora afetada, poluição atmosférica, contaminação dos recursos hídricos e aumento do risco de erosão dos solos. O caos imperou na salvaguarda das populações e do território. A confiança nas estruturas de proteção civil é hoje perigosamente reduzida. A confiança nos dirigentes políticos, após 17 de junho e 15 de outubro, registou um abalo muito significativo. Ganhámos um presidente do Eurogrupo. A que preço?

Portugal, em área ardida, regista uma vergonhosa posição na Europa e no mundo. Dos cinco Estados Membros a sul, Grécia, Itália, França, Espanha e Portugal, com apenas 6% da área total, o nosso país regista 68% da área ardida do conjunto. Já em 2016 havia registado 56% da área ardida deste grupo de países.

No que respeita à ação política, o governo insiste em apostar numa “reforma” que é tão só um pacote de medidas avulsas, desprovidas de uma visão, de uma estratégia. No Parlamento, sobre essa “reforma”, foi produzida uma amálgama de propostas, verdadeiros remendos ao pacote governamental. Após 21 anos, a classe política persiste em ignorar a existência de uma Lei de Bases da Política Florestal, muito embora esta tenha sido aprovada por unanimidade na Assembleia da República. O que valem afinal os consensos em torno das questões florestais? Nem mesmo a Estratégia Nacional para a Florestal serve de enquadramento ao pacote que, abusivamente, o governo denomina de “reforma”.

Na gestão do património florestal público, ficou à vista, da pior forma possível, o desleixo e a irresponsabilidade das diferentes governações na administração dos bens da República. Vergonhosamente, arderam áreas significativas das Matas Nacionais e uma parte muito considerável da Rede Nacional de Áreas Protegidas. No que respeita à área florestal pública, o Estado Portugal, com apenas 1,6% da área florestal nacional, consegue igualar, no seu pior, a pior gestão da maioria das áreas privadas. Ao contrário de servir de exemplo, os dirigentes políticos igualaram-se, no pior sentido, a um proprietário florestal absentista. Ganhámos um presidente do Eurogrupo. A que preço?


Ainda na ação governativa, prosseguiram em 2017 os licenciamentos de mega unidades de produção de energia elétrica a partir de biomassa florestal. Aos 4 licenciamentos de 2016, juntaram-se mais 4 em 2017. No total, estas 8 unidades representam um consumo de biomassa florestal (residual) na ordem dos 1,5 milhões de toneladas. Para uma disponibilidade anual de 2,2 milhões de toneladas, a capacidade industrial hoje instalada já representa um consumo de biomassa florestal residual superior a 3 milhões de toneladas. Ao contrário de subsistirem a partir de biomassa residual, contata-se que o grande “balão de oxigénio” destas unidades é a biomassa constituída pelos troncos ardidos. Ao contrário de evitarem os incêndios florestais, algo desmistificado pelo próprio Parlamento, estas unidades usufruem, em matéria prima a baixo custo, dos incêndios florestais. Portugal não dispõe de biomassa florestal residual para dar resposta às unidades já em funcionamento e que utilizam esta matéria prima. Valem-lhes os troncos afetados pelos incêndios. Há depois quem venha argumentar com o peso das importações.

Por último, registou-se em 2017 a continuação do incumprimento do disposto no Programa do Governo no que respeita ao travão às plantações de eucalipto em Portugal. Pelo contrário, o atual governo regista um maior número de licenciamentos do que o anterior. Até 30 de junho último, as taxas de aprovação são de 57% contra 43%. Neste domínio, tem sido evidente o acúmulo de demagogia. A própria Lei n.º 77/2017, de 17 de agosto, integrada da “reforma” da floresta, persiste na incoerência de que é vítima a “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” (DL n.º 96/2013). Apesar do significativo aumento do peso destas plantações na área ardida total e em floresta, bem como da elevada percentagem destas sob gestão de abandono, a lei continua a não acautelar sobre a capacidade financeira e comercial dos licenciamentos que ao seu abrigo são concedidos. Não é difícil adivinhar o futuro!



Em 2017, apesar da enorme dor, regista-se como fator positivo o envolvimento das populações na sua autoproteção e no ordenamento do território. Merecem louvor os atos cívicos de constituição das Associações de Vítimas dos grandes incêndios de 17 de junho e de 15 de outubro. É vergonhoso que os dirigentes políticos tenham merecido a desconfiança das populações, ao ponto de as levar a assumir, por mão própria, a salvaguarda das suas vidas e dos seus bens.

Apesar dos trágicos acontecimentos de 2017, tendo em conta a atuação política posterior, ou a falta dela, levam a Acréscimo a ter uma posição cética sobre a oportunidade de mudança de rumo. Vem aí 2018, persistem os riscos, se é que não têm tendência para aumentar.